Atenção: risco de spoiler! Se você ainda não leu o post anterior, sobre o paradoxo dos antepassados, volte lá, leia e pense um bocadinho sobre ele.
Agora, se você já leu o post anterior e já pensou sobre ele, vamos lá!
Retomemos, inicialmente, o problema apresentado, que consiste em um falso paradoxo. Isto é, o problema causa um efeito de contradição e surpresa, mas está baseado em um raciocínio falacioso.
A cada geração que recuamos, a quantidade de antepassados duplica. Se recuarmos até a Idade Média, por exemplo, podemos estimar que cada um de nós tem 1.048.576 antepassados! Como isso se aplica a qualquer pessoa, a população da Idade Média era, então, cerca de um milhão de vezes a população atual!
Sabemos que isso está errado, pois é fato muito conhecido que a população mundial está crescendo, não encolhendo. Mas... onde está o erro?
Se nos limitarmos ao que é dito, talvez não possamos desfazer a confusão. Em outras palavras, as premissas do raciocínio exposto não contém erros. Mas existem omissões importantes que afetam a conclusão.
Analise a representação visual a seguir. Será que você descobre as omissões?
Nessa árvore genealógica simplificada, não constam os irmãos. Nem os seus, nem os de sua mãe, nem de seu pai, nem de suas avós, nem de seus bisavós... Pode até ser que, na sua família, nessas gerações, todos sejam filhos únicos. Mas isso seria bastante incomum; certamente, não é o mais frequente na população em geral.
Na realidade, a taxa de fecundidade (média de filhos por mulher) está diminuindo no mundo, sobretudo a partir da década de 1970, conforme se pode observar no gráfico a seguir. Mas ainda é superior a 1.
UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/
Logo, a situação mais comum ainda é que haja muitos irmãos nas árvores genealógicas, sobretudo nas gerações anteriores à nossa. E, portanto, o erro na argumentação que leva ao paradoxo dos antepassados está precisamente aqui:
Como isso se aplica a qualquer pessoa, a população da Idade Média era, então, cerca de um milhão de vezes a população atual!
A existência de irmãos faz com que muitas pessoas tenham antepassados comuns, de modo que não é correto multiplicar a população atual por 1.048.576 para chegar a uma estimativa da população da Idade Média. Estaríamos contando repetidas vezes os mesmos antepassados.
Ainda, a falácia também se baseia numa outra premissa implícita: cada antepassado apareceria uma única vez na árvore genealógica de cada pessoa. Isso também não é verdade sempre, uma vez que há situações de casamento entre parentes afastados.
Viu? Às vezes, o erro não está no que se vê, mas no que se esconde!
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