Não, a professora Roseli não tem nada pessoal contra o Bhaskara, nem contra a fórmula que atribuem a ele!
Mas, antes de explicar essa história, devo fazer as devidas apresentações. A professora Roseli Jordão leciona matemática para o Ensino Médio, no SESI Osasco, e eu a conheci numa formação, que tive o prazer de conduzir, em sua escola, no último sábado. Conversamos no intervalo e ela me contou a história que motivou este post. Já Bhaskara foi um célebre matemático indiano do século XII, ao qual atribuem a autoria da fórmula resolutiva para a equação polinomial de 2º grau. (Como expliquei neste outro post, não é bem assim, embora Bhaskara dispusesse de um método para resolver esse tipo de equação.)
Voltando à nossa história, é como eu disse: a professora Roseli não tem nada contra o uso da fórmula de Bhaskara. O que incomoda mesmo a professora Roseli é que os estudantes queiram usar essa fórmula sem nenhuma reflexão, sem pensar se ela realmente é a melhor maneira de abordar uma equação quadrática, qualquer que seja ela. Por que não usar, por exemplo, métodos alternativos a ela, como o método da soma e do produto, quando ele se mostrar mais vantajoso?
Como professores, frequentemente notamos que, se por um lado, muitos estudantes alegam detestar decorar fórmulas, por outro lado, muitos se apegam a elas com demasiada rigidez, em vez de se aventurar a pensar de forma mais original, mais flexível e, claro, mais "arriscada". Mais ainda: eles querem usar as fórmulas até quando elas não se encaixam na situação ou quando são muito trabalhosas.
Bem, não dá para culpá-los, uma vez que, no geral, isso é efeito de uma cultura escolar (não dessa ou daquela escola, mas bem geral) que não estimula o suficiente a autonomia intelectual, que não abraça o erro como parte natural do processo de aprender e de fazer matemática. Se o erro é visto como fracasso, quem vai querer se arriscar a pensar por conta própria, não é mesmo?
Mas, se não dá para culpar os estudantes, também não dá pra deixar essa acomodação ficar por isso mesmo. No caso particular que estamos contando aqui, da professora Roseli, ela arranjou um modo bem interessante de escancarar como, às vezes, o apego à fórmula de Bhaskara pode ser um problemão.
Ela pediu que seus estudantes de 3ª série do Ensino Médio resolvessem a seguinte equação por Bhaskara. Disse ainda que quem a resolvesse corretamente, sem cometer nenhum equívoco e chegando à expressão mais simples possível para as raízes, ficaria dispensado de uma certa prova de matemática, com nota dez.
A equação era essa aqui:
A resolução dessa equação, pela fórmula de Bhaskara é cheia de dificuldades técnicas, verdadeiras armadilhas para a maior parte dos alunos do 9º ano e do Ensino Médio.
A primeira grande dificuldade, que aparece no cálculo do "delta", é desenvolver corretamente o quadrado:
Se tudo der certo, o estudante deverá chegar ao seguinte valor para o "delta":
Mas, então, em seguida, será necessário extrair a raiz quadrada dessa expressão, para calcular o valor das raízes:
Para viabilizar esse cálculo, é preciso uma certa sagacidade, transformando a expressão num trinômio quadrado perfeito adequado:
Então, finalmente, pode-se concluir o cálculo. Ufa!
A professora Roseli me contou que apenas dois dos seus estudantes conseguiram resolver essa equação corretamente usando a fórmula de Bhaskara. Não é para menos!
Mas aí é que vem o "touché" da professora Roseli, ao mostrar para os estudantes que, pelo método da soma e do produto, a solução sai diretamente, sem nenhum cálculo, apenas observando que o parâmetro "b" da equação é o oposto da soma entre as duas raízes procuradas e que o parâmetro "c" é o produto entre elas.
Esperamos que os alunos da professora Roseli tenham se convencido de que vale sempre a pena conhecer caminhos diferentes para resolver problemas em matemática!
Até a próxima!
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