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Foto do escritorAline Matheus

Círculo e circunferência: grandes ideias!

Atualizado: 6 de mai.

O círculo é bem mais que uma figura geométrica; ele é uma grande ideia matemática, que se relaciona a múltiplas outras grandes ideias, de valor duradouro e abrangente: equidade, centralidade, unidade, simetria, harmonia... Ao propor o estudo do círculo (e da sua "irmã" circunferência) a partir da geometria, quais conexões podemos fazer para ajudar os estudantes a desenvolverem uma compreensão profunda sobre essas ideias?

Estou reestudando um livro maravilhoso para professores: Planejamento para a Compreensão, escrito por Grant Wiggins e Jay McTighe, publicado em Língua Portuguesa pela Editora Penso, em 2019, com revisão técnica da querida e competentíssima Barbara Born. Dentre as muitas contribuições importantes que o livro dá para quem quer fazer do planejamento uma ferramenta de trabalho poderosa, destaco aqui a importância de planejar o ensino tendo em vista as grandes ideias da disciplina.

O que isso quer dizer? Para os autores, quando pretendemos que os estudantes desenvolvam compreensão (e sempre pretendemos, não é?), precisamos especificar o que isto quer dizer... Compreender algo envolve fazer inferências sobre grandes ideias, isto é, sobre ideias transferíveis e úteis, que têm valor duradouro e vão além de um tópico específico. Uma grande ideia pode ser um conceito (a ideia de justiça, por exemplo), uma prática (argumentar em favor de uma conclusão, por exemplo), uma estratégia (começar a resolver um problema de trás para frente, por exemplo), um princípio (correlação estatística não é causalidade, por exemplo), um debate permanente (como promover justiça social? etc.). Para chegar às grandes ideias, é preciso se utilizar de fatos, mas é também preciso experimentar, discutir, argumentar, concluir... E uma das mais perigosas tentações para o professor ou para a professora é transmitir diretamente uma grande ideia como um fato dado. Segundo Dewey (1916), citado pelos mesmos autores:

"[...] na medida em que o que é comunicado não pode ser organizado dentro da experiência existente do aprendiz, isso se transforma em meras palavras: ou seja, [...] carece de significado. Então isso opera para provocar reações mecânicas. [...]
O aluno aprende os símbolos sem a chave para o seu significado. Ele adquire um corpo técnico de informações sem a habilidade de fazer suas conexões com os objetos e operações com as quais está familiarizado - com frequência ele adquire simplesmente um vocabulário peculiar [...] Saber [apenas] as definições, regras, fórmulas, etc., é como saber o nome das partes de uma máquina sem saber o que elas fazem."

Voltemos ao círculo! O círculo pode ser definido como uma região do plano delimitada por uma circunferência, que é o lugar geométrico dos pontos que equidistam de um centro dado. Mas, dito desse modo... e daí? Qual é a grande ideia?

Certamente, o conceito de lugar geométrico é uma grande ideia e compreendê-la envolve viver a experiência de procurar pelo conjunto de pontos do plano (ou do espaço) que têm uma certa propriedade... Não é uma coisa surpreendente e fantástica que essa busca, frequentemente, faça emergir uma forma geométrica?

Por exemplo, você propõe um jogo para a sua turma de 7º ano, em que o tabuleiro é um mapa, onde estão representadas ilhas, navios e outras coisas fantásticas de uma história lúdica de piratas. Entre as dicas sobre a localização de um tesouro, consta que ele está enterrado em um ponto que está a exatamente a sete centímetros de distância do coqueiro do papagaio no mapa... Então os alunos começam a tentar marcar os pontos que estão a centímetros do coqueiro do papagaio. Em geral, usam a régua e vão fazendo marcações pontuais em direções específicas. Você questiona: "não haveria outros pontos? em outras direções? Por que não aqui, por exemplo?" Em um momento propício, você os desafia a usar o compasso, que eles já conhecem um pouquinho, para tentar achar "todos os pontos" em que o tesouro poderia estar enterrado. Daí alguém tem um insight, que você ajuda a socializar: "olha, quando traço com o compasso, qualquer ponto na linha desenhada está a sete centímetros do coqueiro do papagaio!" E voilá: "o tesouro está em algum lugar nessa circunferência!", você começa a introduzir a nomenclatura. Mais adiante, em um momento de sistematização, você introduz o termo "lugar geométrico": "dizemos que a circunferência é o lugar geométrico dos pontos que estão a mesma distância de um ponto específico, que é chamado de centro."

Essa experiência, bem conduzida, é incomparável com receber a definição de circunferência e de lugar geométrico como algo pronto, logo de partida. Não que essa experiência baste - ainda será preciso que haja sistematização dos conhecimentos que emergem da experiência, exploração de outros contextos nos quais essas mesmas ideias apareçam... - mas as grandes ideias precisam ser desenvolvidas de forma ativa pelo próprio sujeito que aprende e esse é um exemplo de atividade que pode ser planejada para apoiar esse propósito.

Outra grande ideia no caso do círculo e da circunferência é a de equidistância. O fato de os pontos de uma circunferência estarem equidistantes de um ponto dado confere a essa forma geométrica uma série de atributos: por exemplo, uma infinidade de eixos de simetria; a possibilidade de rolar de forma contínua e suave, uma vez que ela pode ser sempre perfeitamente ajustada ao espaço contido entre duas retas paralelas, em qualquer posição que ocupe. (Aliás, você sabe que outras formas geométricas também podem rolar, mesmo sendo bem, mas bemmmmm diferentes mesmo de uma roda circular? Confere neste post da série "Matemática para Curiosos".)

Num nível mais abrangente, a equidistância pode ser relacionada à ideia de equidade. Os pontos de uma circunferência não são iguais - ocupam diferentes lugares do plano - mas têm uma equivalência com relação ao quanto distam de um mesmo ponto de referência. Claramente essa ideia é transferível para a noção social de equidade: ser igual em direitos, apesar das diferenças. Uma ilustração super didática dessa associação entre circunferência e equidade está presente nas chamadas lendas arturianas, de origem britânica, explorada em um dos nossos vídeos da série "Matemática para curiosos":



Outra grande ideia associada à circunferência e ao círculo é a de centro. Ter um centro, ser centrado, convergir para um centro, ter um ponto de equilíbrio, um ponto de referência comum a todos, ser coeso, ter unidade... Não é a toa que as mandalas - padrões gráficos expressivos que exploram fundamentalmente as simetrias do círculo - são frequentemente associadas ao bem estar psicológico. Um exemplo fantástico dessa associação está relacionado ao trabalho terapêutico conduzido pela renomada médica psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1905 - 1999), na Casa das Palmeiras. Vale a pena conhecer! As ideias de lugar geométrico, equidistância e centro não são as únicas grandes ideias que podem ser exploradas dentro do estudo do círculo e da circunferência... Tampouco os exemplos que dei aqui são os únicos ou os melhores. Certamente, você, colega professor ou professora de matemática, pode elencar outras grandes ideias associadas ao assunto, acessíveis para o ano escolar e significativas para o contexto em que leciona. Igualmente, pode pesquisar, selecionar e elaborar exemplos que tenham conexão com esse contexto. A mensagem importante aqui é que, ao planejar experiências de aprendizagem mirando grandes ideias, podemos criar um campo fértil para que os estudantes elaborem compreensões que vão muito além de um conjunto de informações factuais desconexas.

  • Referência bibliográfica: Wiggins, G.; McTighe, J. Planejamento para a compreensão: alinhando currículo, avaliação e ensino por meio do planejamento reverso. Trad. Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão técnica: Bárbara Barbosa Born, Andréa Schmitz Boccia. 2ª ed. (ampliada). Porto Alegre: Penso, 2019.


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