Para muitos professores, a grande contribuição da matemática escolar para a formação dos estudantes é o desenvolvimento do raciocínio lógico. Entretanto, para muitos estudantes, a matemática não tem lógica alguma!
Exemplifico com um caso que está longe de ser uma exceção. Lembro-me de uma aluna de 9º ano - aqui, eu a chamarei de Paula - que, ao resolver uma equação matemática, cometeu alguns erros de manipulação algébrica e obteve, ao final da resolução, a seguinte expressão:
3 = 0
Chamei Paula para conversar sobre esse resultado e, para meu espanto, ela não demonstrou nenhum estranhamento com relação a ele. E, sendo Paula uma menina inteligente - como geralmente os alunos são, incluindo os que se saem mal em matemática! -, certamente ela não achava que três era o mesmo que zero... Qual seria, então, a explicação para sua aparente falta de percepção do absurdo da resposta?
A minha hipótese - reforçada pelos meus estudos em Educação Matemática - é que a Matemática, para Paula, não precisava ter sentido. Os resultados precisavam apenas ser obtidos mediante a reprodução dos procedimentos ensinados pelos professores, de forma acrítica.
Nasser e Tinoco, em 2001 (p. 01), expressaram muito bem o problema que, vinte anos depois, ainda é atual:
"Se pensarmos um pouco na natureza das aulas de matemática da maioria das escolas brasileiras, chegamos a uma constatação: os jovens não estão habituados a pensar e comunicar suas ideias. Isto é, na maioria das escolas, o aluno ainda é levado a resolver uma lista enorme de exercícios repetitivos, que, para ele, não têm significado algum. Não vendo uma ligação significativa do conteúdo com sua vida, o aluno apenas repete os modelos dados pelo professor ou aplica fórmulas, e em nenhum momento é questionado ou levado a pensar por que a resposta é aquela, ou mesmo se a resposta é coerente, plausível com a pergunta do problema."
Como pude aprender com as muitas Paulas que passaram pela minha vida de professora, não é fácil mudar a atitude dos alunos "desesperançados com a falta de sentido da Matemática". O melhor parece ser, desde muito cedo, conduzir as aulas de Matemática com espaço para a argumentação autêntica, para a discussão das hipóteses dos estudantes e com um ensino que realmente enfatize a lógica da matemática.
Por exemplo, em vez de "vai um" e do "empresta", que tal conduzir o ensino dos algoritmos das operações com base na compreensão da sua lógica? Veja o depoimento de uma professora chinesa dos anos iniciais - dado no livro "Saber e ensinar matemática elementar", da pesquisadora Liping Ma (2001) -, sobre como ela ensina subtração com recurso:
"Eu começaria com um problema de subtração fácil, como 43 - 22 = ?. Depois deles o resolverem, mudaria o problema para 43 - 27 = ?. Como é que o problema novo difere do primeiro? O que acontecerá quando estivermos resolvendo o segundo problema? Descobrirão que 7 é maior que 3 e não temos unidades suficientes. Então direi: ok, hoje não temos unidades suficientes. Mas às vezes temos unidades a mais. Devem lembrar-se que, na semana passada, quando fizemos a adição com transporte, tínhamos muitas unidades. O que fizemos, então? Eles dirão que as compusemos em dezenas. Então, quando temos muitas unidades, compomo-las em dezenas; o que podemos fazer quando não temos unidades suficientes? Podemos decompor uma dezena de novo em unidades. Se decompusermos um 10 de 40, o que acontece? Teremos unidades suficientes."
A abordagem relatada pela professora mostra clareza sobre o sentido matemático de cada passo do algoritmo. Além disso, ela conduz suas explicações de forma dialógica, levando em conta o contexto das aulas, fazendo conexão com o que veio antes.
Pode ser que alguém considere que o "empresta um" é mais simples, mais simpático, quem sabe até mais didático... Afinal, estamos falando com crianças. Isso não justifica simplificar a linguagem? Simplificar a linguagem é bom, desde que isso não comprometa o sentido fundamental daquilo que estamos estudando. Já pensou se um professor de equitação, para tornar a aula mais simples, resolver suprimir o cavalo?!
A ideia de "empresta um" além de obscurecer a ideia fundamental de composição e de decomposição, ainda carrega outros sentidos que podem atrapalhar a compreensão da lógica do algoritmo. Afinal não podemos tomar algo emprestado apenas por precisar, o dono da coisa emprestada precisa querer emprestar. Além disso, quem toma emprestado precisa devolver... No algoritmo usual, não há devolução!
O caso do algoritmo da subtração é só um exemplo. Mas a matemática dos anos finais do Ensino Fundamental também é pródiga em regras cujos sentidos não se revelam. Por exemplo, os alunos dessa etapa aprendem que "todo número elevado a zero é um". E isso não é nada intuitivo, ao contrário! Entretanto, não é incomum que os professores lhes digam apenas que isso é uma convenção ou, ainda, contornam a pergunta sobre o porquê da regra com a velha piadinha "porque Deus quis".
Muito melhor seria propor o estudo do padrão das potências de um certo inteiro, por exemplo 3:
Quando os estudantes percebem que, para avançar nessa sequência, deve-se multiplicar por 3 e que, para recuar, deve-se dividir por 3, torna-se lógico que, se quisermos manter o padrão, 3^0 precisa ser igual a 1:
Os seres humanos são dotados do potencial de raciocinar logicamente. A matemática - assim como outros componentes curriculares - podem destravar incrivelmente essa capacidade, desde que as práticas de resolver problemas, comunicar raciocínios, argumentar e criticar argumentos deem o tom das aulas!
Até a próxima!
Referências:
NASSER, L.; TINOCO, L. A. A. Argumentação e provas no ensino de matemática. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.
MA, L. Saber e ensinar matemática elementar. Trad. Sara Lemos e Ana Sofia Duarte. Lisboa: Gradiva, 2001.
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